terça-feira, 11 de junho de 2013

Pernas de Índio

Passado alguns dias de chuva, tempestade e muita loucura na vida volto para algumas palavras, e dividir com vocês um acontecimento, uma reflexão e uma ansiedade.

Lembro-me como se fosse hoje o dia em que chegando na Escola em meus primeiros dias de aula a professora toda carinhosa e cheia de boas intenções nos sentou em roda. Roda essa que será tema de outras conversas, e que por enquanto me limito ao proposto no título.

Sentando, não sabíamos como nos encaixar naquele círculo, meio torno, quase sempre oval, que a professora insistia em nos fazer sentar para uma conversa descontraída, dar os avisos ou simplesmente para prestarmos atenção no que ela queria nos mostrar.

Não me recordo muito o que a gente aprontava naqueles círculos, desculpa Professora. Sei que você preparava tudo com muito carinho e dedicação, mas só sei disso agora que estou mais velho e que convivo com outras pessoas que se dedicam ao mesmo ofício. Foi mal!

Essa mesma professora nos ensinou algo que levamos para vida toda. E disso eu lembro.
Para nos encaixar naquele círculo, naquela roda, naquele momento, ela nos ensinou a sentarmos com "pernas de índio".
Um perna dobrada por cima da outra, com os pés apoiados no chão e a coluna retinha na vertical.
Muito interessante, e muito simples para uma criança de 3 anos fazer.

Dizia-nos empolgada que esta era a maneira de sentar que ela gostaria que fizéssemos em todos os momentos juntos, como turma, nas nossas partilhas em roda. Valeu muito a pena ter aprendido isso.

Até hoje eu faço, ao sentar em frente o computador e digitar essas palavras, mantendo as "pernas de índio". Isso me faz lembrar infância, liberdade, tranquilidade, partilha, amigos e muitas outras coisas.

Com o tempo, a elasticidade não é mais a mesma e com a falta de alongamentos as dores começam a surgir. Paro um pouco, estico as pernas e mantenho-me concentrado.

Mas estes dias, o grande aprendizado que tive desde infância foi-me questionado por um segurança.
Estava eu no shopping - algo que não faço com muita frequência por dois motivos: não tenho vontade de ir, e nada naquelas vitrines me agrada, muito menos elas mesmas, sentado em frente à uma livraria. Aliás, foi somente para isso que eu realmente fui àquele. Infelizmente, em Campinas, as duas maiores livrarias ficam dentro dessa máquina de consumo e superficialidade.
Estava eu fazendo algo que raramente faço em minha vida, sentado em um banco, lendo, em frente à uma livraria.
Algo corriqueiro nos bancos do Parque Portugal, do Bosque dos Jequitibás, e qualquer outro canto da cidade. Menos no Shopping Center.
Para me sentir bem, cruzei minhas pernas e sentei com "pernas de índio" a fim de degustar com mais qualidade meu livro, enquanto meu amigo não chegava.
Eis que alguém começa uma conversa comigo, no estilo "não te conheço, mas preciso falar com você":
- Amigão, amigão!
Olhei meio sem entender se era comigo e reparei que era um segurança. Aqueles "amigos" vestidos de preto que a gente pergunta aonde fica tal coisa, por não conhecer muito bem o lugar aonde estamos.
Respondi com a cabeça: - Sim!
- Não pode colocar os pés no banco, não pode sentar assim. Disse o "amigão".

Sem saber muito bem o que responder, com a mente um tanto bagunçada, retirei os pés do banco e continuei minha leitura. O diálogo acabou assim.
Mas aquilo me fez pensar em muitas coisas, e estas eu partilho com vocês.

Vivemos num mundo tão rápido, tão ligeiro e tão veloz que as vezes precisamos parar um pouco para ler, respirar, acreditar e sonhar. Uma pausa rápida na nossa rotina diária já faz toda diferença.
Fiquei imaginando quantos destes tempos eu preciso ter na minha semana para calibrar as energias, revitalizar o corpo e a mente.
Na mesma loucura de pensamentos em "como estou correndo", "preciso descansar", "aonde eu parei mesmo" e outros muitos sobre o tempo que desperdiçamos, surgiu um sobre a pessoa do segurança:
será que ele se esqueceu como senta de "pernas de índio"?
Estava me fazendo cumprir que norma, regra ou lei?
Estava me fazendo um favor? Estava me fazendo cumprir algo?
O que fazia ele me dando essa ordem?
Será que é porque a capa do meu livro era vermelha?
Será que é porque eu uso barba e cabelo comprido?
Será que era meu tênis que estava sujo?
Ou será simplesmente que eu não posso mesmo sentar "como índio" num lugar onde se deve andar ou correr pelos corredores em busca de saciar o desejo de consumir?

Não saberei nunca essa resposta, e nem busco encontrar.

Mas queria refletir e pensar sobre tudo isso.
Algo que sempre nos fez sentir em paz.
Algo que sempre nos faz estar próximo de nós mesmos.
Não pode ser feito de maneira livre dentro de uma sociedade que nos quer todos iguais.

Quantas horas perdidas para guardar um patrimônio particular, com algo que não lhe convém, que vale muito mais que sua vida.
Quantos dias de sonos perdidos para chegar cedo ao trabalho, na ansiedade de se matar para não morrer.
Quantos meses se passam e as mudanças que sonhamos e queremos não acontecem.
Quantos anos foram necessários para nos transformar em "índios" adultos, que não sentam mais como as crianças e não veem, não leem, não sentem, não partilham, não choram, não vivem!

Triste pensar que a sociedade está cada dia mais "em pé", sem tempo mais para sentar em roda.
Triste pensar que ao ler, tenho que ser como todos querem que sejamos...

Quero sentar com "pernas de índio" e ponto final!

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